segunda-feira, 4 de maio de 2015

A Mulher na Literatura



Falar de Feminismo é declarar guerra à História. Parece-me sempre uma questão perigosa. Quando defendo as mulheres olham-me com estranheza julgando-me uma reaccionária do século passado. Talvez a luta esteja terminada e enterrada juntamente com aquelas que merecem o apelido de feministas. Porém, e mais uma vez através da minha querida Woolf, tenho de questionar esse estado semi-seguro da Mulher.
É evidente que não pretendo dedicar-me ao estatuto da mulher nem tornar este texto uma politiquice. Mas será que a Mulher tem, de facto, um estatuto melhorado? Será que estamos realmente vergadas às evidências de uma sociedade onde a igualdade dos sexos é respeitada? E será que é necessária essa igualdade?
Virginia Woolf, através das suas personagens, criou muitas faces para um mesmo problema. Durante séculos o ser-se “feminino” era reprimido. Nem vou pôr em discussão as questões práticas de uma sociedade machista. A mulher anulou-se. Dedicou-se a outros assuntos sem ser o seu Eu. A sua existência como Mulher. Quando, em pleno século XIX, se torna personagem central da realidade e da ficção ganha um novo estatuto. De mulher doméstica, maternal e senhorial torna-se uma mulher-Mulher. No fundo, passa a ter uma nova consciência quanto à sua feminilidade. Atenção! Devo fazer uma pausa já para advertir o leitor que não é minha intenção destruir aquilo que é, pelo menos para mim, a beleza da mulher. Aí as mentalidades dos séculos passados soam-me mais sérias. A mulher é bela. É bela na sua elegância, no seu estatuto de mãe, no seu estatuto de musa inspiradora do poeta, etc. A minha questão é: por que deixa ela de ser bela quando se torna independente? Piso terreno pouco sólido, bem sei…
À literatura não passa despercebida esta mudança. Por um lado existe Tolstói: Quem é a mulher quando não é Mãe, esposa, amante, mulher de sociedade? Não me parece que ele tome qualquer partido na questão. Suponho que o fim de Anna Karenina seja, numa leitura arriscada, uma forma de provar que o autor não sabe a resposta. Nem a mulher a sabia naquela altura, creio. Por outro lado existem as irmãs Bronte. Catherine Heathcliff, tão dona do seu nariz, é incapaz de ponderar as consequências da sua independência. E até que ponto é ela independente se existe sempre um homem por perto? Já Jane Eyre não é outra coisa senão apenas mulher. Que assume as consequências de uma vida livre de todas as amarras tradicionais. Surge então, já no glorioso século XX, Virginia Woolf e a sua tão aclamada Clarissa Dalloway. Esta é quase o oposto de Anna Karenina. Se Anna não é nada sem os seus estatutos, Mrs. Dalloway tenta fugir a essas classificações. É neste caso que a figura masculina surge vergada à brutal existência da Mulher. Não só à heroína como a todas as outras que a acompanham. Não creio que seja por acaso que apenas morra um homem. Homem esse que é, de facto, Clarissa numa leitura mais concentrada.
De “nada” a mulher torna-se “tudo”. Porém é necessário perceber que ser mulher independente e longe das amarras do lar onde tantas feministas agitam a sua revolução não implica deixar de ser mulher. Daí ser tão interessante o tratamento que todas estas personagens recebem. Todas procuram o respeito. E todos os homens se vergam a essa simples exigência. Através de gestos, de palavras e de sentimentos. Todas até encontrarem Mrs. Ramsay em Rumo ao Farol. Ela, tão cheia de si, sente-se naturalmente mulher e nunca uma estranha nesse papel. Mrs. Ramsay é tudo: mãe, esposa, mulher, amante, intelectual, simples. Abraça todas as categorias; todas as outras mulheres. Sem receios.
Assim, posso, finalmente, chamar à discussão Elizabeth Bennet. Talvez a primeira mulher romântica do feminismo quando este ainda não existia. Há uma oscilação permanente entre a dependência e a independência. Afinal fala-se no século XVIII onde a tradição masculina tem importância exagerada mas consistente. Se por um lado Elizabeth quer a liberdade de sentimentos por outro não procura abdicar do seu estatuto de senhora. Aqui devo considerá-la mais próxima de Mrs. Ramsay. Ambas são sofisticadas de sentimentos sendo sempre fiéis a si mesmas. Talvez pudessem ensinar Clarissa Dalloway a ser feliz. Talvez tivessem evitado a morte de Anna Karenina.
Da ficção à realidade chego ao importante estatuto das senhoras de pena em riste. Falo das escritoras que, ao longo da história, nunca se deixaram intimidar pelos seus esforços. Devo, claro, um especial agradecimento a Jane Austen. Quantas de nós teríamos a sua coragem? Não terá sido ela o grande incentivo desta reviravolta feminina? Não deixo nunca de pensar que todas estas mulheres escritoras (George Elliot, Jane Austen, Virginia Woolf, as irmãs Bronte) tiveram a coragem de ser tudo o que Mrs. Ramsay é. De notar a subtileza com que geriram as casas, os maridos e os filhos a par com uma carreira na escrita que, mais ou menos camuflada por questões óbvias, nunca deixou de ser importante e prioritária.
Hoje em dia a mulher já não se sente a protagonista. Já não a vejo lutar para ser Vista. Não se trata de chamar a atenção. Trata-se de ser mulher no mundo. Os seus sentimentos são deixados ao acaso de um amor impossível e um pouco mal tratado, de um ódio, de uma necessidade. Aquilo que as heroínas procuravam antigamente (e encontravam, atrevo-me a dizer), as heroínas de hoje renegam.
Talvez a culpa seja do mundo. Da velocidade do mundo. Se pensarmos que em Portugal o feminismo tomou as proporções de política e nem sempre de uma necessidade social estou em dúvida se terá, de facto, existido uma consciência de mudança. A julgar pela quantidade de mulheres no poder dentro e fora das nossas fronteiras creio que nos falta a garra feminina para vingar.
Resta-me, portanto, a pergunta infame: quais as fronteiras do feminismo? Terá Simone de Beauvoir razão? Será o feminismo apenas uma questão que a mulher tem de colocar? Será apenas a busca pelo direito ao direito? À escolha? Ou é algo maior e mais cheio de entranhas políticas e tradições arrancadas pela raiz sem lógica ou ponderação? É claro que as consequências do Feminismo existem. A mulher tem tendência a perder o seu estatuto de Senhora. Mas será que o Feminismo pretende, realmente, a igualdade entre os sexos? No fundo, para subir um degrau na justiça da sociedade é ter de abdicar de privilégios que não passam, na verdade, de boa educação? Há, então, alguma tristeza quando penso que não voltarei a conhecer mulheres belas e inteligentes em busca de si próprias. A nossa luta parece terminada. Mas parece apenas. O trabalho precisa ser continuado para que as nossas antepassadas não sejam esquecidas. Para que a sua herança não tenha sido deixada em vão e votada ao esquecimento.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

That Hamilton Woman

Vivien Leigh e Laurence Olivier

Cheguei ao momento em que tenho de explicar o porquê de ter dado ao meu blogue este nome estranho e definitivo. Uma vez que falo sobre cinema e literatura faz perfeito sentido que as minhas raízes assentem num estilo hollywoodesco e clássico: That Hamilton Woman.
Os amantes da História bélica inglesa certamente já terão ouvido falar num tal Lord Nelson, herói e feroz combatente na luta contra Napoleão Bonaparte. As referências cinematográficas são demasiadas e, como não podia deixar de ser, umas datam de 1940 d.C (Durante os Clássicos). O casal Olivier/Leigh decidiu, por bem, retratar a história por trás da História. Existirá sempre um amor profundo, sagrado e incorrecto nestas coisas da História e do Cinema. Vivien Leigh é, claro, Aquela Mulher Hamilton. Que brinca entre a mulher simples e humilde de um homem mais velho e a mulher adúltera e conivente com as artes do amor. Apaixona-se por Lord Nelson (Laurence Olivier) ainda antes de este o ser . A química pretendida está lá. Um daqueles casos em que a realidade e a ficção se cruzam. E este é um dos momentos cinematográficos que destrona um Casablanca com demasiada facilidade.
Uma vez que a história não é sobre Lord Nelson mas sobre a criança adulta que se pavoneia no seu sorriso frágil tipicamente VivianLeighnesco será de esperar pouca acção no campo de batalha. A intriga adensa-se por isso. Percebemos que não foi através das armas que Napoleão foi vencido e sim através de poder curativo e corajoso de um beijo. Seria menos dramático de outra forma e a poesia deste filme é o que me fascina.

Os diálogos, meus caros leitores, são belos e sofisticados. Poesia em bruto. Assistimos a luxuosas e rápidas tiradas que davam para transcrever num belo livro, encaderna-lo e coloca-lo numa prateleira. Porque o cinema também deve ser poesia, Vivian Leigh (que já me havia conquistado na sua juventude de Scarlett O’Hara) surpreende pela doçura majestosa de quem sabe o que sofreu a verdadeira Lady Hamilton. Seria de esperar um final feliz após as controversas negações da fama, da vitória e do amor. No entanto, Ema Hamilton é deixada sozinha esperando impaciente um amante que nunca regressará. Que ficou no campo de batalha de Trafalgar, vitorioso mas morto. Se pensarmos bem só assim uma história de amor poderá ser verdadeiramente poderosa. 



Caty.