quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

"Romance" por Clarence Brown


Capa do filme Romance (Europa)
Protagonizado por Greta Garbo e Gavin Gordon
Realizado por Clarence Brown
1930
 
Este é um daqueles filmes sagrados. Ainda hoje penso nele como um bálsamo para a alma.
Romance é um filme sobre o Amor. Onde Garbo é Diva duas vezes. Diva porque Rita Cavallini é a Diva da Ópera capaz de matar de amores corações ditos fortes e corajosos. E Diva porque prova que ser actriz é ser outra coisa mais sagrada do que a realidade da vida.
Começo pela história: temos um jovem. Na verdade existem dois. Toda a história é um flashback, uma tentativa de um velho cavalheiro em fazer o seu neto recuperar a consciência. Harry, o jovem que no presente quer casar com uma cantora e um sábio bispo que é , no passado, o jovem Tom Armstrong (Gavin Gordon). O filme recua para o momento em que Tom abomina a etérea necessidade humana em perder-se no divino. E, no instante em que tudo lhe parece real e sisudo, aparece aquela que irá transformar a sua vida. O momento em que Rita é anunciada pelo rico Cornelius Van Tuyl (Lewis Stone), o primeiro amante conhecido da cantora e uma espécie de narrador, sempre presente e a guiar-nos por esta viagem amorosa, não é o momento da sua aparição. Lembra-nos um pouco Laura ou Gilda, nos Noirs em que a estrela chega sempre atrasada quando já todos sabem que ela aí vem. Rita chega subindo a enorme escadaria num brilhante vestido, denso e comprido. De notar que este é, talvez, o grande trabalho de Adrian, o estilista que soube defender a figura de Garbo como ninguém.
Mesmo quando a Diva de Ópera chega nada é dito. Sabemos que é ela porque só ela estará no centro do Universo, rodeada de cavalheiros encantados e mulheres invejosas. Mas não estamos em vantagem face ao jovem emocionado e embriagado pela beleza de Rita. Conhecemo-la ao mesmo tempo que ele. Só temos a vantagem de não estarmos tão equivocados como ele quanto ao seu verdadeiro nome. Aliás, é através desse equívoco que todos reconhecemos a prova que faltava: aquilo que julgamos ser a verdade dos nossos corações pode facilmente ser dissipado. O momento decisivo em que os dois se conhecem é, sem dúvida, o primeiro de muitos momentos. E é sempre importante explicar que Tom se apaixona por um engano. E Rita deixa-o ir ao encontro de uma mentira brincando com ele. Ela nunca assume a sua identidade até o jovem ter a certeza que foi apanhado num deslize amoroso.Toda a narrativa evolui como se fosse encenada. Nada é subtil. Tudo é exagerado e dramático.
É nesta produção de Clarence Brown que o cinema sobre o Amor ganha novos contornos. Em que tudo é dito e retirado como se vivessemos em indecisão permanente. O desapaixonado pela vida apaixona-se perdidamente por Rita. Tudo morre para fazer nascer a loucura doentia do Amor juvenil. Mas é Rita quem toma as rédeas da relação. Porque, se por um lado, também ela se deixa envolver pela doçura da paixão, saberá, por outro, que nada é para sempre. Muitos menos quando é ela a protagonista desta história. Estamos sempre à espera que alguém morra de amor. Rita talvez tenha morrido quando, naquela imagem final, tão idêntica a Rainha Cristina, a vemos morta e fixa em sofrimento silencioso. Só nos salvamos das lágrimas porque o jovem Tom nos ajuda fechando a porta. É o reconhecimento do fracasso humano. Tom, que estava disposto a tudo por esta paixão, apercebe-se que de nada vale morrer por amor e dedica-se a sustentar apenas uma ideia desse amor.
Dou especial ênfase à realização final:  a imagem de Rita/Garbo, de pé junto à lareira, estática  e pesada. Talvez dos melhores momentos fotográficos em que, sozinha, a realização conta uma história. Uma tendência entre os realizadores que  trabalharam com Garbo : o rosto da Esfinge Sueca vale toda uma produção.
A narrativa é igual a tantas outras. Será, na verdade, uma espécie de necessidade, de ponto incontornável nos filmes de Garbo: a mulher fatal e inatingível que leva à loucura os jovens inseguros e ingénuos. Mas surpreende pela vivacidade. E, especialmente, surpreende pelo twist final: aquilo que esperávamos ouvir da boca do bispo não é aquilo que ele se prontificar a mostrar: o arrependimento de ter deixado Rita Cavallini sozinha e um amor enraivecido desvanecer surge nesta história quando esperávamos uma conclusão mais sensata. Creio que não se assemelha ao típico filme de 1930. Talvez hoje fosse um sucesso. Ou não o seria pois não teria Garbo. E um filme de Garbo sem Garbo é um filme vazio. Este é o filme em que Garbo, nomeada para um Óscar de Melhor Actriz, se revela magnífica. Romance não pretende contar uma história. Pretende ser uma explicação daquilo que Greta Garbo representa. E nem o sotaque agreste nos faz desistir. Afinal já em Flesh and the Devil vimos a verdadeira faceta da actriz. Esse filme que a lançou para o mundo das estrelas que nunca morrem. Facto é que, fechando os olhos aos agrestes conflitos entre o realizador e a estrela, Clarence Brown e Greta Garbo entendem-se e reconhecem-se quando outros ainda hoje se perguntam: Who is Garbo?

 

Talves gostassem de saber:

·         Lewis Stone já havia trabalhado com Garbo em Woman Of Affairs e , em 1932, voltam trabalharjuntos em Grand Hotel

·         Para o papel de Tom Armstrong, Garbo decidira escolher Gary Cooper. No entanto, a Warner Brothers não o pôde emprestar à MGM ficando Gavin Gordon com o papel.

·         Clarence Brown é o realizador que mais trabalhou com Garbo: Flesh and The Devil, Woman of Affairs, Romance, Anna Christie e Anna Karenina. No entanto, a relação entre os dois ficou tremida após o final de Romance e só em 1935 são propostas tréguas.

·         Adrian foi sempre o estilista de Garbo, presenteando todos os seus filmes com inovadores vestidos chegando a lançar um estilo para a imagem de Garbo.
 
Caty.